amor de pet

Victor Alfons Steuck

Tiago amava aquele pastor alemão muito mais do que amava Sabrina. Ela sabia disso. Minos havia chegado muito antes dela na vida dele. Ele o conhecia desde bebê. Minos era o melhor amigo de Tiago, muito mais do que Sabrina jamais seria.

No começo era engraçado, mas depois de 3 anos de um relacionamento que quase acabou duas vezes, o que antes era só uma piada começava a doer e incomodar em um lugar muito específico e sensível.

Contudo, Sabrina não odiava Minos, muito pelo contrário, amava o cão e, embora andasse um pouco preocupada com o seu comportamento, não conseguia resistir a tentação de acariciá-lo e dar petiscos.

Ele era tão fofo, tão carinhoso, tão brincalhão e ao mesmo tempo tão imprevisível.

Ao longo dos três anos namorando com Tiago, Sabrina passou por pelo menos 2 situações em que Minos só parava na frente dela, começava a encará-la com olhos misteriosos e, de repente, do nada, parecia se incomodar com alguma coisa e começava com um rosnar assustador até latir para ela descontroladamente por uns 5 minutos.

Tiago não parecia se importar nem um pouco com a mudança de comportamento de seu fiel companheiro, era com ela que Tiago se incomodava. Para ele, existia algo de certa forma fascinante e curioso no fato de cachorros como o seu pastor alemão oscilarem dessa forma. Em um momento, pedindo carinho na barriga. De repente, sua mão não poderia estar ali se ele quisesse. 

Ele se irritou muito com Sabrina nas duas ocasiões, como se ela houvesse cometido algum crime por causa do comportamento imprevisível de Minos, como se aquele cachorro de alguma forma pudesse sentir todos os defeitos dela e tivesse algum tipo de intuição moral aguçada e a estivesse denunciando, como um cão farejador da polícia encontrando cocaína. Como se ela fedesse a alguma coisa podre, Tiago a olhou com nojo.

Mas Minos era tão fofo. Era tão carinhoso, tão brincalhão. Sabrina às vezes se sentia como uma super mãe de pet orgulhosa de seu filhote e quando essa sensação vinha ela se sentia feliz, satisfeita… se sentia uma namorada melhor.

E como um lindo dia de sol que se retira para o breu, tudo mudou. Sabrina estava sozinha em casa e Tiago havia saído para fazer compras no mercado. Estava tudo bem, eles haviam se mudado há três meses e Sabrina estava trabalhando exaustivamente em seu TCC quando Minos teve mais um daqueles surtos. Ela saiu do escritório para ir até a cozinha tomar uma água e comer uma banana quando viu Minos parado, no fim do corredor, a encarando com aquele olhar apavorante e fixo que ela viu nas últimas duas vezes.

Mas dessa vez foi diferente. Dessa vez Tiago havia saído e ela estava sozinha com o cachorro. E dessa vez, Minos salivava uma espuma branca sem parar. Parecia que estava possuído por um demônio. Sabrina instantaneamente pensou na raiva, mas não conseguia se lembrar de Minos ter interagido com qualquer animal transmissor do vírus.

Minos começou a latir e a rosnar e a avançar para frente dela. O olhar dele era tão assustador que Sabrina foi até o banheiro e pegou o rodo que havia usado de manhã para limpar o banheiro. Com um movimento rápido, Sabrina abriu a porta do banheiro e conseguiu pegar o rodo enquanto Minos corria em sua direção. Quando ela conseguiu agarrar aquele pedaço de pau com as duas mãos sentiu Minos a empurrando. Sabrina caiu para dentro do banheiro e bateu com as costas na parede e Minos tentou ir direto para sua garganta. O cabo da vassoura e a força dos braços de Sabrina eram a única coisa afastando o seu nariz das mordidas daquele pastor alemão.

Talvez tenha sido o pânico ou a adrenalina, mas Sabrina conseguiu empurrar Minos para cima e dar um chute forte em sua barriga enquanto estava no ar, jogando-o para fora do banheiro. O cachorro gemeu de dor quando bateu contra a parede do corredor e Sabrina sentiu pena do animal. Entretanto, ao vê-lo levantando-se ainda mais raivoso, o pânico se apoderou de seu corpo e Sabrina alcançou a porta pouco antes do animal entrar no banheiro. Como Minos era um animal ligeiro e grande, ele se jogou contra a porta, impedindo Sabrina de fechá-la totalmente.

Sabrina lutou com o animal para fechar a porta do banheiro. Ele estava com boa parte da cabeça a impedindo de fechar a porta, então ela pisou no seu focinho para que ele cessasse seus esforços de entrar no banheiro. Funcionou. O cachorro tirou a cabeça e Sabrina finalmente pode trancar a porta do banheiro.

Alguns minutos se passaram e Sabrina conseguiu se acalmar só depois de passar água na nuca e se sentar por alguns instantes. Depois disso, buscou por seu celular, mas não o encontrou. Ela o havia deixado em cima da mesa, ao lado do computador.

Sabrina então chorou compulsivamente. Chorou alto, até não poder mais. Então começou a gritar por socorro. Por sua sorte, nesse exato momento Tiago estava voltando do mercado.

Ao chegar em casa, Tiago ouviu os gritos de Sabrina e largou tudo e começou a se dirigir até o banheiro até o banheiro ao ouvir o choro e desespero de sua namorada.

“Sabrina, o que aconteceu?”

“Minos! Ele me atacou! Ele está com raiva!”

“Minos?” – ele perguntou enquanto ela já ia abrindo a porta “com o quê?!”

Sabrina viu Minos aparecendo atrás do seu namorado, mas não teve tempo de arregalar os olhos direito e já viu o animal pulando em cima do seu namorado. Tiago tentou lutar com o animal, mas ele o pegou desprevenido e, assim que teve a oportunidade partiu para a garganta e arrancando um pedaço da sua traquéia com uma única mordida. 

Tiago se contorcia no chão com os olhos fixos no teto e Minos mordia outras partes do seu rosto. Tiago parecia nem sentir as mordidas e estar tomado por um pânico indescritível.

Sabrina fechou a porta e se trancou de novo. Ela sentou no chão e colocou a cabeça entre os joelhos e tentou chorar, mas não conseguia mais. 

Ela só conseguia ver Minos arrancando um pedaço da traqueia de Tiago repetidamente em sua mente. Teria isso mesmo que teria acontecido? Como Minos poderia matar Tiago? Como? E como poderia fazê-lo tão rápido. Isso não fazia sentido.

Foi então que Sabrina levantou os olhos e viu o rodo de madeira que tinha em sua frente. Ela sabia o que fazer. Era a única opção. Primeiro Sabrina pegou aquele rodo e tentou quebrá-lo na perna, como nos filmes, mas acontece que quebrar um pedaço de pau grosso como o cabo de um rodo não é algo tão fácil de se fazer. Ela então começou a bater o rodo contra a banheira. Ela bateu uma, duas, três, 4 vezes e nada. Então teve uma ideia, colocou o rodo entre a privada e o vão do armário da pia, apoiou seu peso sobre o armário e pisou no cabo.

Funcionou, o cabo se quebrou e agora ela tinha uma lança.

Sabrina abriu o banheiro e viu o cachorro comendo as tripas do seu namorado. O rosto dele já estava irreconhecível e completamente desfigurado. Era só um buraco amassado e gosmento. O cachorro estava completamente sujo de vermelho por causa do sangue do seu namorado.

Sabrina gritou “Minos!” e o cachorro a notou. Ao vê-la, rosnou e correu em sua direção. Sabrina não sabe de onde tirou essa velocidade, mas assim que o cão pulou para abocanhá-la, ela levantou a estaca improvisada e a fincou fundo no cachorro, que caiu sobre ela já morto após soltar um grito agudo e desesperado.

Sabrina jogou o cachorro para o lado, correu para o escritório sem nem olhar para o corpo do namorado à procura do seu telefone. Quando o encontrou, imediatamente ligou no 190 para tentar buscar ajuda. Todas as linhas estavam ocupadas. Ela tentou o Samu. Todas as linhas estavam ocupadas. Em seguida, tentou os bombeiros, a guarda municipal, qualquer coisa. Ou todas as linhas estavam ocupadas ou tocava até cair até que ela simplesmente não conseguia mais ligar para número nenhum, pois não havia linha.

Sabrina foi até a sala, desviando do corpo do cachorro e do namorado no caminho e ligou a TV. Não havia sinal. Não havia sinal de telefone nem de internet e a luz acabou de repente.

Sabrina saiu do seu apartamento e desceu até o seu condomínio. Não havia uma pessoa nem mesmo na portaria. Ao sair para a rua, as vê vazias. Na esquina, a uns 15 metros de distância, um grupo de cachorros parece se aglomerar sobre alguma coisa. Aos poucos, a audição de Sabrina vai se recuperando e ela começa a ouvir melhor o que está acontecendo ao seu redor. Ela escuta gritos e tiros, muitos tiros na distância. De repente, um barulho atrás dela, quando ela olha, vê uma bola de fogo: uma explosão com certeza havia ocorrido a pelo menos uns 100 metros de onde ela estava. Sabrina está com medo. Ao se virar para o grupo de cachorros que viu na esquina, uma sensação de terror toma conta de seu corpo. Dois dos animais saíram do bolo e Sabrina pode ver o cadáver de um policial sendo destroçado pelo outros dois membros daquela alcatéia urbana.

Ao ver os outros cachorros de rua vindo em sua direção, Sabrina não conseguiu correr. Ela só conseguiu gritar.

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