Bruno Lucio Rosa
Não lembro quando percebi que, atravessando o centro da cidade, havia uma porta com uma marca que eu não conhecia. Pesquisei em todos os lugares que pude para entender o que significava aquela marca, mas nunca encontrei nada.
Não era um lugar que se destacava, era apenas uma porta fechada dando direto acesso à rua, em meio aos prédio cinzentos. Ela fazia parte do meu caminho e as pessoas ao redor não davam a mínima atenção.
O fato é que passei por lá certa vez e vi a porta entreaberta, irresistível não espiar. A porta levava a uma escadaria bem iluminada, paredes brancas, bem diferente do que eu imaginava. Desci de forma tranquila, deduzindo que chegaria a algum tipo de clínica.
No fim das escadas, me deparei com uma mulher de roupa social, óculos e cabelo preso em um coque alto, ela teclava rapidamente em um computador atrás de um balcão de madeira. Finalmente. – Disse a mulher quando me viu. – Estávamos lhe esperando, você está atrasado.
Finalmente. – Disse a mulher quando me viu. – Estávamos lhe esperando, você está atrasado.
Ela deu a volta no balcão rapidamente e foi em direção a um corredor lateral. Fiquei sem entender como ela poderia saber que eu estava chegando.
– Vamos! – Ela disse agora com irritação quando percebeu que eu hesitava.
Ela virou à esquerda em uma interseção de corredores.
Quando a vi novamente, ela batia com o nó dos dedos em uma discreta porta sem maçaneta externa no meio do outro corredor. A porta se abriu quando cheguei perto e um homem barbudo, com cara de segurança me olhou de cima a baixo. Sem dizer nada, ele me deu acesso à sala em que estava.
Entrei hesitando, não sabia que tipo de situação iria encontrar ali. O segurança fechou a porta quando entrei com firmeza e à minha frente, estava uma sala escolar. Isso mesmo, uma sala escolar com apoio para braço apenas de um lado, em tamanho infantil.
Tinham mais umas cinco pessoas me olhando, todas sentadas nas cadeiras de escola dispostas em semicírculo, apenas um lugar vazio no canto me esperando.
Me apressei em sentar, envergonhado por estar ali no lugar de alguém, parecia que haveria algum tipo de aula médica, mesmo sem lousa. Toda aquela luz branca incomodava meus olhos. Ao meu lado, uma mulher negra estava tentando achar uma posição confortável na cadeira que era pequena demais para adultos.Oi! – Tentei sussurrar para a mulher ao meu lado. – O que vai acontecer?
– Oi! – Tentei sussurrar para a mulher ao meu lado. – O que vai acontecer?
Ela me olhou como se eu fosse de outro planeta, então me calei e segui esperando.
Mais algumas batidas na porta e o segurança abriu a porta para um homem de terno escuro sob um avental branco.Então podemos finalmente começar. – Ele disse entrando na sala e entregando um comprimido e um copo de água para todos. – Já fiz as explicações iniciais, não vou me repetir. – Ele disse me olhando. – Apenas tomem e fechem os olhos tentando se concentrar no ritmo que vou fazer.
– Então podemos finalmente começar. – Ele disse entrando na sala e entregando um comprimido e um copo de água para todos. – Já fiz as explicações iniciais, não vou me repetir. – Ele disse me olhando. – Apenas tomem e fechem os olhos tentando se concentrar no ritmo que vou fazer.
E eu estava bastante ansioso e desorientado. Vi que as demais pessoas da sala estavam bem, alguns já de olhos fechados, outros me olhando com reprovação pela demora. Tomei o comprimido. O homem sorriu com aprovação voltando ao centro do semicírculo.ora fechem os olhos e se concentrem no som que farei. – Ele disse.
– Agora fechem os olhos e se concentrem no som que farei. – Ele disse.
Ele começou a bater o pé de forma rítmica e tentei me concentrar naquele som quando fechei os olhos.
O som continuou, mas pareceu me dominar, tentei abrir os olhos e não consegui, parecia uma forma de hipnose auditiva.
O sono foi se aprofundando em uma escuridão sem pensamentos. Não sei dizer quanto tempo passou.
Quando acordei, estava em uma sala ampla, o sol poente iluminando diretamente as imensas janelas ao meu lado esquerdo deixava o ambiente avermelhado. Me levantei tentando me orientar e vi uma grande piscina circular no meio do local, não podia ver seu fundo, pois ela estava preenchida com um líquido vermelho de fragrância metálica.
Da piscina emergiu um rosto masculino, careca, de beleza opressiva e inumana. Ele sorriu ao me ver e virou as costas até a escada para sair.
As costas eram fortes e ele era bem mais alto e largo que qualquer ser humano, ao se virar, não havia nenhum pêlo em seu corpo, nem genitais. Duas pessoas vieram correndo entregar uma toalha ao homem, elas estavam com o rosto coberto por um pano escuro e não sei como se orientaram, se ajoelharam enquanto o homem pegava a toalha e se enxugava.
– Como era aquele ditado com o gato e a curiosidade que vocês falam? – Disse o homem.
Eu estava paralisado de medo. Displicentemente, ele jogou a toalha no chão e um de seus servos correu buscar.
– E agora? Será que teria sido uma obra do seu destino? Será que isso poderia ter sido evitado? – Ele disse se aproximando e deixando sua altura mais evidente.
– Você é um demônio? – Perguntei como pude, a presença dele me sufocava.
Já me chamaram assim. Não me importo qual nome quiser me dar, para falar ao meu respeito, mas você sempre me chamará de amo ou mestre, pois você é meu agora. Eu sou o Usurpador de Mundos, Ladrão de Almas, Traidor da Lei e dos Deuses, tanto faz, invente um nome novo se quiser, mas sua cabeça estará abaixada quando em minha presença.
Ao dizer isso, ele me atingiu com um violento tapa no rosto que me arremessou ao chão. A dor parecia se espalhar em meu corpo mais do que deveria e me contorcia, gemendo.
– Não lhe prometo nada, pois não vim trocar. Vim roubar e tornar meu.
Senti seu imenso pé me pressionar contra o chão e rezei como pude, gemidos se misturando à oração. Ele riu.
– Não há ninguém para lhe ouvir, não há mais ninguém olhando por vocês, por isso vim para cá.
Ele tirou o pé das minhas costas e me virou usando os dedos. Quando olhei para cima, vi que ele segurava um dos seus servos pela cabeça coberta. Com um barulho nojento, esmagou a cabeça daquela pessoa e tomou seu sangue como quem espreme uma fruta.
– Suas vidas não são nada para mim. Traga mais para mim, todos que puder. Marque neles meu sinal e eles serão meus.
Com a unha, ele arranhou meu peito lentamente, queimando e rasgando. A dor foi a pior que eu já experimentara. Tentei me contorcer, mas meu corpo pesava contra o chão. Quando a dor se intensificou, desmaiei.
Acordei em minha cama, suado. Parecia madrugada, mas eu estava desorientado. Quando me dei conta que poderia ser somente um sonho ruim, deixei o sono me levar novamente.
Acordei mais uma vez, agora com meu alarme me tirando de pensamentos e sensações confusas. Sonhos coloridos e escuros se misturaram e impediram meu descanso. Quando saí da cama, parecia que eu havia sido atropelado.
Fui ao banheiro tentar me acordar com um banho e me assombrei ao ver em meu peito a marca que eu via na porta, não como uma tatuagem, mas sim uma cicatriz. Não consigo descrever o que senti, soube que aquilo tinha sido real.
Voltei a rotina do trabalho e quando passava pelo mesmo local, não havia nenhuma marcação no local. Forcei minha entrada, um dia e descobri que o caminho levava agora somente a uma loja abandonada. Sem nenhuma pista do que eu havia vivido, somente a marca em meu peito me lembrando daquilo.
As noites continuaram insones, mesmo com os remédios que os médicos me davam. Meu trabalho piorou pela falta de descanso e meu sonho de escrita se tornou distante.
O medo daquela lembrança me fez dar início a uma série de assassinatos que escondia como podia. Eu tentava ser rápido e sempre chorava quando via o resultado, fazer a marca era sempre algo que me enojava. Eu sabia que devia ser feito, eu tinha que continuar mesmo com as mortes destruindo toda a humanidade em mim.
Um dia, preso em meu apartamento sujo após um dia indiferente de trabalho, ouço batidas apressadas em minha porta alternadas com uma insistente campainha. Eu só queria ser esquecido, não queria atender, mas não cessava e me levantei para atender. Estava pronto para xingar quem quer que fosse, ao abrir, vi a mulher negra que estava sentada ao meu lado antes de ter encontrado aquele demônio.
Ela estava mais magra, com olheiras, mas suas roupas eram sociais e impecáveis. A reconheci de imediato apesar do tempo passado.
– Finalmente te achei! – Ela disse com urgência. – Precisamos conversar, rápido!
Ela entrou e se sentou no sofá miserável que tinha em minha sala, sem se importar com a sujeira que precisou colocar de lado para ter espaço. Feche a porta! – Ela ordenou com um sussurro.
Obedeci e fiquei parado na porta de forma patética.
– Você precisa nos ajudar! – Ela continuou. – Não era para você estar lá, eu descobri depois e isso mudou tudo. Mudou o que ele planejava, talvez você tenha uma solução para tudo isso.
– Eu…
– Ele te marcou?
– Sim…
Ela pensa um momento.
– Vamos ter que correr esse risco. Eu fiquei na organização de mais… colaboradores, digamos assim. Aprendi um pouco e planejei uma estratégia, mas todos que entram lá, fazem um juramento de sangue prometendo a alma a ele. Nós da organização mentimos que haverá uma troca. Poder, dinheiro, sexo, tudo que as pessoas sempre querem. Só depois descobrimos que não há nada disso e que não há como fugir.
Ela se levanta e vem até mim, me olhando nos olhos.
– Ele vem de algum lugar que não entendemos, talvez o espaço, outro universo, outra realidade, não dá para entender muito bem, ele chama apenas de infinito. Depois de tirar tudo que pode, do planeta eu acho, ele simplesmente vai atrás de outro.
– Eu não posso. Eu estou marcado.
– Sente-se.
Ela me guia pelos ombros e me senta no meu próprio sofá. Andando de um lado para o outro, parece organizar os pensamentos.
– Na organização eu vi que houve um caso, e apenas um caso, de alguém que não era para estar lá. Tudo é feito para tentar nos deixar tranquilizados, por isso não é como vemos nas histórias. Paredes brancas, aquele ar de clínica, até a carteira infantil é para dar o sentimento de nostalgia. Quem entra lá, já está comprometido, já está jurados, mas teve uma pessoa que reclamou que não teve seu lugar entre nós, que foi deixado de lado, aí foi fácil. Lembrei na hora de como você estava perdido e busquei os dados de quem estava comigo, por isso te achei.
– Mas…eu não falei nada…
– Você estava dormindo, quem está na organização revira todos os bolsos e documentos e anota tudo. Depois devolve para sua casa. É tudo bem feito. Agora é que vem a parte importante, preste atenção. Eu achei outra divindade para ser comunicada.
– Ele disse que não tinha ninguém.
– Eu sei, ele disse. Só que nem sempre foi assim, não é? Já adoramos várias entidades e eu achei um caminho. Como não posso quebrar o juramento quando participei daquela iniciação. Você é a única saída.
– E o que eu vou fazer?
– Me encontrar aqui. – Ela me entrega um papel amassado com orientações em um mapa desenhado à mão. – Daqui a três dias, perto da meia noite. – Ela vai até a porta e me olha um instante antes de sair. – E, por favor, tome um bom banho antes.
Três dias e um banho depois, chego até o local indicado: um galpão abandonado nos subúrbios. Não poderia dizer que tinha coragem, ainda não entendia qual era o plano, nem como deveria agir. Era a esperança de me livrar de tudo aquilo que me movia.
Ainda do lado de fora, hesito. Eu nem sei o nome daquela mulher e estou aqui, mais uma vez me sentindo jogado pelo destino.
No frio da noite, ela surge com um vestido preto e leve.
– Que bom que você veio! – Ela toma minha mão e me guia para dentro.
O cheiro de incenso é forte, a iluminação depende apenas das velas espalhadas, deixando o ambiente com um certo romantismo.
– Me conte o que vamos fazer. – Pergunto.
– Apenas relaxe.
Elá me puxa para si e me beija com avidez. Sou pego de surpresa, mas correspondo.
Com um passo para trás, ela tira o vestido e está nua! Com certeza não era o que eu esperava. Há a mesma marca que eu possuo em seu tórax, mas não tira em nada sua beleza.
– Sua vez, tire tudo e deite. – Ela sussurra.
Me desfaço de minhas roupas de e obedientemente deito no chão gelado. Vejo ela pegar um óleo aromático e espalhar em meu corpo lentamente. Sem pressa, ela me estimula.
– Tarasscha tem em uma de suas faces o rosto de uma mulher sentindo prazer. É ela que invocaremos hoje.
Sensações que a muito não sentia me dominam. Não lembro quando foi a última vez que estive com uma mulher.
Ela passa as pernas em meu quadril e inicia um cântico em uma língua que não conheço, enquanto transamos. Não me importo, apenas acompanho o ritmo de seus quadris.
Quando ela aumenta o ritmo, tento me controlar.
– Deixe vir! – Ela grita.
Eu me entrego com um grito há muito preso, meu corpo contraindo todo ao mesmo tempo.
Quando tento voltar a mim, sou atingido por um punhal o abdômen.
– Tarasscha! Essa alma é sua! – Ela grita rasgando minha barriga.
Tento me soltar, mas ela me segura com as pernas fortemente e me apunhala várias vezes.
Em meio aos meus gritos de dor, ela volta a cantar. Enquanto ainda tenho forças, tento me defender com os braços, isso dura pouco e logo sou engolido pela escuridão.
O que foi minha vida? O que foi minha morte? Estou preso em pensamentos, tentando dar um sentido a eles. A dor da morte foi intensa durante um longo período. Quando ela parece diminuir, me vejo em um quarto, amarrado em uma coluna. O ambiente é rústico e outras pessoas estão ali, parece que estou em uma masmorra.
Uma mulher se aproxima, ela tem duas cabeças em um corpo seminu. A da esquerda tem olhos amarelados e cabelo cacheado, solto. A da direita é careca e sem nariz, mesmo assim é essa que se inclina e me fareja, seus olhos são pura escuridão.
– Parece fresco, mas algo não está certo. – Diz a cabeça da direita.
– Não vê a marca em seu peito? Esse já tem dono. – Responde a cabeça da esquerda com voz felina, quase um sussurro.
– Não conheço essa marca. – A mão direita alisa minha cicatriz.
– Por favor! Me ajudem! – Suplico.
– Silêncio! – Dizem as duas juntas.
Com uma longa unha, a mão direita perfura a lateral do meu corpo. Ainda estou tentando respirar quando vejo que a cabeça da esquerda está lambendo meu sangue.
– Você agora é nosso! Não importa de quem tenha sido antes.
– Vamos te educar e te matar! Mil vezes!
– Depois te daremos mais prazer do que você pode aguentar! Até pedir para te matarmos de novo!
– Somos Tarasscha, do prazer.
– E da dor. Vamos descobrir o maldito que entrou em nosso mundo e tentou roubar o que é nosso.
– Por favor! Eu não sei o nome dele! Eu fui marcado por acaso, foi um acidente. Eu não queria.
– Shhh! – Elas colocam um dedo em meus lábios e sinto o gosto de meu próprio sangue.
– Nós sabemos como descobrir.
– E como tirar vantagem ao expulsar ele.
– Mas antes, vamos te mostrar tudo que podemos fazer.
– Bem devagar.
– Quando formos invocar o intruso em nosso mundo.
– Vamos te levar como exemplo, mas fique tranquilo.
– Quando isso acontecer.
– Você vai implorar para que ele volte a ser seu dono.
– Agora seja um bom garoto.
– E nos divirta.
– Enquanto ainda tem alguma consciência.
Logo veio a dor. E o prazer. E a dor.
Um ciclo sem fim que apagou tudo.
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