GALA GREY

David Leite

 – Cara, pensa bem. – Dizia enquanto tentava avançar num sinal amarelo antes que mudasse – Terminar com ela antes do carnaval foi a melhor coisa que te aconteceu. Quem quer ficar amarrado num dia de folia?

 – Não sei. Eu a amava. – O amigo responde melancólico.

 – Não esquente Carlão. Você precisa sair para uma festa diferente. A gente vai chegar logo.

 – Não estou no clima de carnaval. Já foi meu tempo, Daniel.

 – Ah, mas esse você vai estar. Garanto que é diferente de tudo que já viu.

 Seguem pelas avenidas com um Carlos pensativo e um Daniel sorridente. Numa das travessas, vira uma rua onde uma placa indicava “Scala”. Carlos então indaga o amigo.

 – Pera aí. Você ta indo pro Scala? Você quer me levar no Gala Gay?

 – Relaxa. Você vai ver. É um dos lugares mais animados no carnaval. Você vai AMAR.

O amigo responde acentuando a frase com um tom característico, ironizando. Mas Carlos tem dúvidas se estava brincando mesmo ou seu amigo tinha alguma tendência não revelada.

Chegam à porta do hotel, onde neons brilhavam coloridos e intensamente e algumas figuras efusivas saudavam os convidados, jogando confete, rindo histericamente e acenando para os passantes. A batida eletrônica da música escoava para todo o quarteirão.

Daniel estaciona o carro e, munido de sua camisa havaiana e alguns colares coloridos, salta para fora, não antes de oferecer alguns colares para o amigo também ter algum acessório festivo. Os dois vão até a entrada, onde os rapazes coloridos os saúdam e são correspondidos por Daniel, mas o desconfortável Carlos apenas acena timidamente.

No interior do salão a festa se multiplicava. Uma centena de foliões se agitava freneticamente ao som da música. Os eufóricos dançarinos usavam as mais variadas alegorias. Plumas e paetês se espalhavam pelo chão, enquanto outros se vestiam quase formalmente. A grande maioria escondia o rosto com máscaras ou maquiagem carregada, e uma curiosidade que Carlos notou rápido: Ele, com sua estatura mediana, ainda assim era um dos mais altos dali. 

A surpresa deixa a mente de Carlos quando uma luz projetada atinge seu olho e o ofusco. Ele então olha para o alto e vê o grande globo de luz lançando suas luzes estroboscópicas para todos os lados. O globo se encaixa num grande disco quase do tamanho do salão inteiro, e a composição de ambos chegava a lembrar um disco-voador.

Daniel chega carregando dois copos grandes de alguma experiência alcoólica que devia ter criado, e empurra para o amigo um dos líquidos verde claro.

 – Vamos lá, Carlão! Quero ver você se divertindo, mano.

Carlos, ainda encabulado, dá algumas goladas na bebida. E realmente era algo que não havia experimentado. Tão exótico quanto às figuras da festa. Daniel então deixa o amigo e se mistura à pista. Carlos começa a ficar alegre, vira a bebida e pede outra igual para o garçom. Dados alguns momentos já estava dançando no ritmo da música.

Sua visão então começa a se turvar. As figuras risonhas de momentos antes começam a se tornar um tanto medonhas. Seus olhos pareciam crescer enquanto suas bocas diminuíam, então seus rostos distorcidos e afinados começam a gerar ansiedade em Carlos. Um dos festejantes percebe, e com aqueles grandes olhos negros e o queixo e a boca afinados se aproxima de Carlos, pegando pelo braço.

 – Ei, amigo. Eu acho que você não está bem. Vou te levar para o banco.

Carlos apenas não o detém. Os dois sentam por um momento, enquanto Carlos respira, mas sua visão ainda parecia distorcida ao olhar para o cara que o ajudou.

 – Desculpe. Eu não to acostumado com isso. Essa bebida é forte.

 – Não tem problema. Vocês não devem agüentar mesmo. – Diz o outro.

 – Há, há… Por quê? É uma bebida apenas para os “diferentes” que nem vocês?

 – Sim. É uma bebida que apenas nós consumimos.

Carlos estranha.

 – Ei, amigo. Estamos no século 21. Somos todos iguais aqui.  Pare com esse papo de “nós’ e “vocês”.

 – Mas o organismo de vocês realmente é mais fraco para essa mistura. Eu lamento, mas é verdade.

 – Quer dizer que hétero não pode tomar esses drinques de vocês?

 – “Hétero”? Como assim? – O outro estranha. – Oh, eu acho que entendi…

Então, com um zunido, o globo de luz começa a girar rapidamente, dispensando suas luzes para todos os cantos, enquanto o disco que o envolvia gira com a mesma velocidade na outra direção. O “cara” que ajudou Carlos se volta para ele.

 – Então, amigo. Gostei dessa idéia de “somos todos iguais”. Gostaria de entrar numa viagem comigo?

 – Bem. Eu já to viajando mesmo. Bora lá!

O “cara” então ergue o braço magro, como acenando para o globo de luz.  O globo brilha mais intensamente e como um holofote, joga um facho de luz sobre os dois no banco. A luz se intensifica a ponto de Carlos não enxergar mais nada.

Então tudo se apaga e um som de estrondo alto explode no teto. Quando se acendem algumas luminárias, apenas o teto estava no lugar. Nada de globo de luz ou disco. Daniel, alvoroçado depois daquilo, procura pelo amigo no salão, mas encontra apenas o colar de contas colorida que tinha lhe dado jogado displicentemente em cima de um banco.

Fim

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