Sarah Rosas Ferreira
O sol ardia no sertão enquanto a família caminhava soturna e quieta, cada qual em seus pensamentos, o homem tinha cansaço sede e fome, a mulher sentia dores no corpo, na mente, desânimo e falta de esperança, as crianças tinham… fome.
A estrada se alongava aos olhos do homem, a sede e a fome consumiam sua família, a mente saltava a ver os filhos cobertos pela poeira da estrada, seus pés descalços, as roupas maltrapilhas repletas de remendo, a mulher silenciosa caminhava desanimadamente ao lado do velho burro da família, O silencio era acompanhado pelo sol escaldante e o tilintar de panelas pendurados no lombo do animal.
O homem tocou o ombro da mulher, lhe deu um sinal com a cabeça, ela olhou, e viu um casebre acerca da estrada. A tarde estava caindo e logo a noite chegaria e a fome que ali já havia se instalado a muito tempo, os avisava a todo momento que ainda ardia em seus estômagos vazios, ao ver a casa o homem não teve dúvida.
– Oh de casa – disse o homem batendo palmas, havia um velho sentado em um banco parecia cochilar, assustou-se ao ver a família ali
– Marrta! – chamou o velho.
De dentro do casebre a velha veio arrastando os chilenos.
– Tarde.
– Tarde, estamos na estrada, nós precisamos de um lugar para passar a noite – disse o homem – a mulher olhou para a família, e viu crianças maltratadas pela seca, pela fome, pela pobreza, sentiu pena, mais uma família fugindo da morte nessa seca sem fim que já dura quase três anos – pensou tristemente – embora tivesse pouco a oferecer não seria certo deixar crianças dormirem ao relento e sem nada no estomago.
– O que eles querem Marta – disse o velho
– Abrigo, meu velho – ela deu mais uma olhada para a família e se compadeceu ao ver na expressão da mulher a tristeza da vida dura, as roupas de sacos de açúcar já remendadas pelo tempo de uso, os sapatos gastos, o chapéu velho do homem que zelava por sua família, seus rostos encardidos e sem esperança. – Venha, vamos, entre temos abrigo aqui.
A família entrou.
Os adultos se sentaram a mesa e as crianças no chão de terra batida.
– Só tenho farinha para oferecer – disse Marta dando um punhado de faria as duas crianças
– Para onde vocês estão indo? – perguntou o velho
– Para a capital– respondeu o homem.
será que chove – disse o velho soturnamente.
– É… não sei não, essa falta de chuva tá fazendo um estrago danado, muita gente na estrada indo para a Amazônia, nós vamos para Fortaleza diz que lá tá melhor que aqui.
– É… meu filho foi trabalhar na capital, ele disse que se fosse para Fortaleza, conseguiria um trabalho, que lá tinha comida e água e tudo mais, que se trabalhasse bastante até conseguiria comprar um escravo para nos ajudar na lavoura, então ele foi, mais aí, ficou doente, disse que era uma tal de varíola, ficou sem trabalho, bom, no fim… – o velho parou pensativo– veio essa seca, e morreu tudo, os bichos, a plantação o poço secou e agora nós mal tem o que comer – o velho suspirou estafado.
– Pois é – disse o homem soltando a fumaça do palheiro.
– vocês são jovens, podem conseguir um trabalho na capital, mas nós somos velhos, nossa esperança é o nosso filho.
– Ou que chova – falou o homem, o velho riu e se levantou foi até a janela.
o homem direcionou seu olhar para as crianças ossudas, seminuas e encardidas comendo a farinha, e para a esposa apática que nada dizia.
– Não temos cama – disse a velha de repente – mas vocês podem dormir na rede – o homem assentiu.
A noite cobrira o céu e os lampiões foram acesos, o homem debruçado na janela fumava um palheiro, a mulher colocava as crianças para dormir, ela cantava uma velha canção de ninar ao mais novo. Os donos da casa se recolhiam, apenas uma cortina velha separava a sala do quarto.
Depois que as crianças dormiram a mulher se aproximou do homem, tocou as mãos do marido e olhou para a noite fria e seca através da janela
– Tem certeza?
– Não temos escolha – respondeu ele soltando a fumaça do palheiro, a mulher abaixou a cabeça como se fosse fazer uma oração.
O homem se virou e puxou seu facão do cinto.
O sol alaranjado apontou sobre o horizonte, os pássaros cantaram anunciando um novo dia, o burro pastava um punhado de grama seca a frente do casebre, a fumaça do fogão de lenha saia da enjambrada chaminé, na chapa a mulher fritava pedaços de carne e dava para os filhos.
Nos fundos o homem cortava o restante da carne para levar na viagem.
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