Escrevendo sobre vampiros

Por Fernando Fiorin

Existe uma fala popular (possivelmente da internet) da qual eu gosto muito que diz que: “vampiros e ninjas nunca saem de moda”.

Quanto aos ninjas, eu não posso afirmar muita coisa, apesar de que, verdade ou não, vira e mexe tem algum lance rolando por aí sobre o tema. Dificilmente como algo abordado dentro da linha do terror, o que é triste, mas sobre essa personagem não falta filme, desenho, jogo e etc.

E em relação aos vampiros, um dos monstros favoritos de muita gente, eu posso afirmar categoricamente que nunca ficamos muito tempo sem algo novo, seja no cinema ou nos canais de streaming, seja na literatura ou nos jogos de RPG e videogame. Claro que muito do que acaba saindo não passa de remakes sobre remakes ou o mais do mesmo, porém, não raramente, surgem coisas boas no meio de muito clichê e no arroz com feijão do mundo sobrenatural.

Nesse ensaio eu tenho o intuito de falar um pouco sobre como escrever histórias sobre vampiros e quais linhas podem ser interessantes a serem abordadas por escritoras e escritores que gostem do tema. Para quem quiser saber um pouco do meu trabalho eu tenho um conto sobre vampiros publicados no blog da Última Página (https://aultimapagina.art.blog/2021/12/17/o-terror-do-alem-mar/) além de outros contos abordando outros gêneros neste mesmo blog como lobisomens do folclore português, zumbis no velho oeste e um caçador de cabeças capoeirista numa São Paulo cyberpunk. Também tenho vários contos publicados em diferentes coletâneas dos mais variados assuntos, sendo o último sobre um gato que protege o seu dono de um ser etéreo que visita o humano em seus sonhos e causa-lhe ataques de pânico. Claro que eu não sou um escritor famoso com milhões de livros vendidos sobre o tema, mas eu sou um cara que, como você, está tentando vencer na vida escrevendo sobre aquilo que eu gosto. Então não entenda esse ensaio como um ensinamento matador (matador, sacaram?) para vender muitos livros na internet. Esse texto foi escrito por uma pessoa que adora histórias de vampiro, tanto como escritor e leitor, e que está tentando ajudar outras pessoas com o mesmo perfil a escreverem as suas primeiras histórias sobre o tema.

Então sem mais delongas e entrando no assunto, como diria um certo serial killer, vamos por partes. 

Para começar, quero situar o vampiro num tipo de classificação que tem o intuito de nos auxiliar a entender os tipos de histórias que são contadas sobre os mesmos, depois eu vou falar um pouco do processo criativo e, por fim, um tipo de “sim e não” acerca do estilo de histórias que são interessantes de serem contadas e coisas a se evitar ao tentar escrever um conto legal sobre vampiros. Claro que eu não sou nenhum expert em vampiros, só uma pessoa que aprecia muito o tema. Então não se ofenda se algo que estiver escrito aqui não for do seu agrado, só se lembre de levar em consideração o que aqui foi ponderado e se isso te ajuda ou não em sua própria escrita. Então vamos lá falar um pouco sobre vampiros e para vampiros.

Classificação dos Vampiros

Seria muito fácil considerar que o vampiro é um tipo de criatura bem específica quando comparada com as demais, como lobisomens e zumbis, e padronizar que as mesmas são um tipo de morto-vivo que evita o sol e se alimenta só de sangue, tendo que lidar com certos inimigos e correr atrás de vítimas até morrer definitivamente.

Eu sei, soa simplista. E o objetivo é esse mesmo. Vamos tentar pensar um pouco além de toda (e sobre) essa simplificação e ver o que vem à tona.

Para entendermos os diferentes tipos de vampiros precisamos olhar para a maioria das histórias que conhecemos e tentar perceber quais são as motivações por de trás das atitudes dessas criaturas e como elas vão se diferenciando umas das outras dentro da literatura e das outras mídias. As quatro classificações abaixo estão longe de contemplar toda a complexidade por de trás do tema, mas vai nos ajudar a traçar alguns caminhos que poderemos seguir compreendendo um pouco as motivações e os desejos dessas criaturas conforme tais questões foram mudando durante o desenvolvimento das histórias de terror e de outros temas.

O Vampiro Clássico, elaborado inicialmente (e possivelmente) por John Polidori em seu conto intitulado “O Vampiro” que fora escrito em 1819 e é considerado o primeiro do gênero na literatura de terror, é o tipo de vampiro que usufrui dos seus poderes e qualidades sobrenaturais para levar vantagem sobre os reles mortais a sua volta, sugando não apenas o seu sangue, mas também a sua energia vital e emocional. Possivelmente esse tipo de vampiro foi inspirado pelos contos folclóricos romenos em que indivíduos sepultados em condições anormais voltam para assombrar os seus familiares até que estes se redimam ou, de forma mais drástica, deem um fim no ser amaldiçoado. Histórias com vampiros clássicos versam com a corrupção do elemento humano e com a perversão da alma dos inocentes por criaturas sem qualquer remorso ou piedade. Não por coincidência, é dito que Polidori teria se inspirado no seu amigo Lorde Byron para criar o Lorde Ruthven, o vampiro da narrativa.

O Vampiro Amaldiçoado, que ficou famoso com a obra Drácula de Bram Stoker, que foi publicada em 1897 e narra sobre um monstro faminto, condenado a beber o sangue da humanidade para saciar uma sede que nunca acaba, tudo isso por ter se rebelado perante Deus. Esses monstros também podem apelar para a corrupção, tais quais os vampiros clássicos, mas a sua condição é marcada pela tragédia, uma vez que a sua fome acaba trespassando qualquer chance de redenção que poderiam alcançam perante a sua terrível condição. Muitas vezes a única forma de se encontrar a paz dentro de tão terrível situação é acabando com o monstro de uma forma ritualística, com uma estaca no coração, que pode ser de ferro ou madeira, dependendo do folclore local, com a luz do sol (que se tornou um método famoso graças ao filme Nosferatu, de 1922) e outras coisinhas como o alho, a prata (que se popularizou por conta do personagem da Marvel, Brade) e até coisas mais bizarras do folclore oriental como afogando a criatura em água corrente ou forçando-a a contar grãos de arroz enquanto o sol a consome antes que consiga esconder-se a tempo. O que sempre deve ficar implícito é que a criatura surgiu ou foi gerada por um ato de punição, geralmente divina, o que confere à criatura em muitos casos o aspecto dualístico de buscar a redenção, mas se manter nas trevas.

O Vampiro Bestial é muito parecido com o vampiro amaldiçoado, mas neste não há a consideração da sua condição, com histórias já refletindo sobre o mal de sua existência. Enquanto o vampiro amaldiçoado possui tal condição por ter irritado alguma divindade severa, ou até mesmo por algum enlace advindo de seres espaciais desconhecidos, o vampiro bestial pouco se importa em como adquiriu tal condição, estando mais preocupado com a sua dieta rica em hemoglobinas. A história em quadrinhos lançado em 2002 e o filme inspirado na mesma e lançado em 2007 “30 Dias de Noite” de Stive Niles narra muito bem o tema, com uma cidadezinha no meio do nada cercada por um grupo de vampiros que estão interessados em fazer uma festança na qual a única função da população é servir como os petiscos da festa. Nesse tipo de história, como o autor pouco se importa com a questão da origem da condição vampírica, normalmente existe muita ação já no começo, muitas vezes com as personagens precisando se abrigar para depois descobrir como lidar com essas criaturas. Normalmente o sol se mostra o maior inimigo desses monstros, mas armas com grande poder de destruição acabam resolvendo a parada também. Esse vampiro também lembra o vampiro clássico, mas, diferente deste, não se importa em corromper ou ludibriar os pobres mortais a sua volta. O seu foco está em sua existência predatória e na caça do seu alimento preferido. Esse vampiro normalmente é o que mais se aproxima de questões racionais e científicas do que é ser um predador e viver conforme as leis da natureza, buscando o alimento e a sobrevivência acima de qualquer conceito moral, social ou cultural.

Por fim o Vampiro Romântico é um tipo mais recente quando comparado com os demais. Elaborado inicialmente por Anne Rice na sua famosa obra Entrevista com o Vampiro aqui nós vemos um vampiro que se incomoda com a sua condição e com a sua necessidade de se alimentar de sangue, lamentando ou não tal necessidade. Em muitos casos esses vampiros podem ser até mais poderosos do que os demais tipos, por ainda se manterem próximos da humanidade e reconhecerem os seus feitos e as suas fraquezas. Ele pode temer a sua maldição, tal qual o vampiro amaldiçoado, ou até ignora-la, tal qual o vampiro bestial, mas, no fim, aquilo que se tornou é o guia de sua história, que gira muitas vezes na sua condição de morto-vivo e na questão da existência próxima a essas criaturas efêmeras que vivem muito pouco e que esvanecem rapidamente, principalmente se ficam muito próximas dessas criaturas belas e poderosas. De todos os tipos de vampiros, esses são os que refletem mais sobre a sua condição de imortalidade e sobre a fragilidade da vida humana.

Cada tipo de vampiro aqui citado não faz parte de nenhum catálogo formal e muito menos é um arquétipo definitivo de monstro. Eu só apresentei essa primeira parte para pensarmos em quaise tipos de histórias podemoshistórias que podemos montar a partir de cada categoriatipo, e quaise tipos de histórias também podemos evitar contar, sejam por não funcionarem bem ou por estarem desgastadas demais. Caso vocês queiram se aprofundar nessae tipo de questão, eu recomendo o livro Enciclopédia dos Vampiros do Gordon Melton, que é um livro já clássico e bem fundamentado dentro do tema.

Vampiros e o Processo Criativo

A primeira e mais relevante questão a se levantar ao se escrever uma história sobre vampiros é: qual o papel que o mesmo ocupa em sua história?

Ele é o vilão a ser perseguido, caçado e destruído? Ele é uma figura trágica tentando buscar a redenção de sua condição opressora e poder viver no meio da humanidade? Ele é um sujeito com cara de adolescente que vive no meio dos mortais ludibriando-os em busca de uma parceira para todo o sempre? Ele é um tirano cruel e manipulador, que controla uma nação ou uma vila e precisa lidar com uma sociedade secreta que busca a sua destruição há séculos? Ou só uma criatura bestial que busca saciar uma fome que nunca acaba?

Entenda as motivações da personagem. Existem histórias muito boas onde à motivação é simplesmente a fome que nunca é saciada, a sede que nunca abandona a criatura, por mais sangue que ela beba de suas vítimas. Porém, é possível desenvolvermos histórias complexas onde a criatura está envolvida numa rede de manipulações, mentiras e controle. Um vampiro que influencie algumas das nações mais poderosas do mundo, manipulando homens que têm o dedo sobre o botão de disparar mísseis nucleares, pode muito bem questionar-se se não está na hora de outra atrocidade, ou outra guerra mundial em que milhares de litros de sangue sejam derramados, acontecer e que ninguém vai sentir falta dos mesmos.

Tendo o papel do vampiro em vista, questione-se sobre o cenário. O vampiro vive no meio de uma turba de gente, uma Nova Iorque ou uma São Paulo agitada, onde milhões de almas correm para lá e para cá feito formigas e mal têm tempo de notarem quando um dos membros desse rebanho se perde tragado pelas criaturas da noite? Ou ele prefere lugares ermos, onde poderá manter-se sossegado sem ter que lidar com outros de sua espécie ou os insípidos mortais e as suas insignificâncias? Ou ele prefere viver numa cidade pequena em que possa interagir até um determinado nível, lutando para manter a sua privacidade em um lugar onde todo mundo se conhece desde a infância e que pessoas de fora são vistas com desconfiança?

Entendendo o que motiva um vampiro e qual o cenário em que ele vive podemos seguir tranquilamente para o terceiro passo: Quem são os seus antagonistas e quem são os seus aliados ou servos?

Em uma história onde o vampiro é o vilão, certamente ele terá inimigos. Estes poderão ser caçadores de vampiros, treinados desde muito cedo para saberem onde procurar o seu inimigo e dar um fim nele. Também podem ser outras criaturas sobrenaturais que dividem o território ocupado pelo vampiro e que não se contentam com isso. Normalmente os lobisomens acabam tornando-se os inimigos mais implacáveis dos vampiros nesse tipo de história, mas não há a necessidade de seguirmos esse caminho. Nos romances da escritora Charlaine Harris (que deu origem à série da HBO True Blood) surgem os tipos mais variados de criaturas e dentre elas as Bacantes, uma espécie de bruxa que serve ao deus romano Baco. Então muitas vezes é interessante pensar em que tipos de seres poderiam desafiar os vampiros e se mostrarem perigosos e até fatais. E não podemos esquecer um dos melhores inimigos: As pessoas comuns, levadas a lutar contra o vampiro pela necessidade da sobrevivência, sendo obrigadas pelo desespero e a inspiração do momento a buscarem meios para dar um fim nesse mal que as ameaça e também à tudo aquilo que amam e buscam preservar.

Caso o vampiro não seja o vilão, mas um anti-herói ou até mesmo o mocinho, ele também terá que enfrentar inimigos. Nesse caso esse inimigo precisa exibir motivos para ser considero moralmente pior do que o vampiro. Caçadores de vampiro só funcionam bem aqui caso o vampiro em sua história regressa tenha feito algo abominável que o seu inimigo não considere possível o perdão. A morte de um ente querido, um comportamento injusto e deplorável, o fato de pertencer a um grupo odiado, a construção do vilão terá que ser sustentada sobre uma boa justificativa para que este cace essa criatura que não é moralmente reprovada perante a sociedade. Criaturas sobrenaturais aqui também funcionem bem como vilões, muitas vezes até melhor do que na situação em que os vampiros são vilões, pois nesse caso a narrativa pode ganhar mais respaldo em uma dualidade robusta, onde uma criatura é, de fato, pior do que a outra em termos morais e legais, e quem sofre os abusos delas acaba tendo que optar pelo “menor dos males”.

Os aliados e os servos dos vampiros também são figuras de papeis importantes na história. As noivas do Drácula, os vampiros que cercam Lestat e Louis, assim como os sensitivos da Talamasca e as bruxas da família Mayfair. Os amores do passado ou do presente. Essas criaturas prestam um suporte importante para que a história não gire apenas sobre um elemento, ou que possa colaborar em outros elementos do terror. O servo atormentado por seu mestre, ou pela culpa ao falhar em cumprir uma ordem direta. A pessoa que está enlaçada em um romance no qual a vida dela corre risco seja por conta de uma questão muito simples de alimentação, ou por conta da quantidade de inimigos que o vampiro possui. Tudo isso contribui para enriquecer as relações do vampiro com o cenário e crie uma verossimilhança que aproxima o leitor da história, conforme ele imagina o que faria se estivesse na pele da amante ou do servo condenado a servir o seu mestre por toda a eternidade.

E por fim, ainda que não exista tal necessidade, boas histórias de terror podem considerar explorar uma moral em sua conclusão. O que você deseja passar para o seu leitor até o fim de sua história? Que o mal sempre vence independentemente do esforço dos justos? Que o bem sempre vence independentemente do esforço dos maus? Uma boa história de vampiros deixa aquela sensação de que, quando acaba, alguma coisa não está certa. Os inimigos do vampiro o mataram, mas ele realmente estava errado em relação à maneira como vivia no mundo? Nós humanos matamos milhares de animais todos os anos para sobreviver, os vampiros são assim tão piores do que nós, só por que precisam caçar e matar alguém parecido com eles? Um vampiro que anda por um campo de concentração, alimentando-se dos moribundos, é assim tão perverso? Mas quem colocou aquelas pessoas infelizes ali, para início de conversa? E o clichê de todos os clichês: Terá o vampiro realmente morrido? Ou ele poderá voltar em algum momento, principalmente pelo fato dos seus matadores não terem levado em consideração alguns dos sacros rituais que poderiam manter a besta eternamente nas trevas?

Tendo um personagem com boas motivações, um cenário bem elaborado, um quadro de figurantes que faça sentido dentro do cenário e um final decente e com uma moral que faça sentido, é meio caminho andado para uma história que será bastante apreciada pelos amantes do gênero.

Alguns Sins e Nãos sobre Contos de Vampiros

Para começar, deixo bem claro que o primeiro passo para se escrever boas histórias é sempre seguir o seu instinto, aquilo que alguns autores e autoras chamam de “o chamado da musa”. Claro que, não foram poucas as vezes que a musa conduziu mais de um escritor para um caminho perigoso e infeliz.

Mas assim é o ato de escrever, sempre uma caminhada tortuosa e arriscada, mas que, no fim, pode nos trazer muita satisfação.

O primeiro Sim a se considerar em uma história sobre Vampiros é “faça uma boa história de fundo para as personagens”. Ainda que um conto ou uma história curta não tenha muito espaço para um prelúdio elaborado, tente explicar motivações ou os desejos condutores das personagens. Um monstro só soa verossímil quando entendemos o que o motiva. Mesmo um serial killer que não pareça ter muito sentido a princípio, fica mais consistente quando entendemos em sua história o que o motivou a seguir um caminho tão controverso e condenatório.

O primeiro não é “não exagere na história de fundo das suas personagens”. Histórias bem contadas sempre cativam a gente, mas histórias que perdem muito tempo explicando cada detalhe das personagens, cada motivação mínima e falha de caráter tendem a serem enfadonhas. Principalmente se forem contos curtos, com dez páginas ou menos. As suas personagens precisam ter a profundidade necessária para fazer sentido em sua história. Em algumas histórias talvez elas até serão rasas, ou não terão nem mesmo uma explicação própria para a sua existência, mas se empenhe para que o cenário faça sentido e ajude a causar a estranheza necessária que essa falta de profundidade irá trazer. Eu tive um conto rejeitado recentemente por conta dessa questão, por não ter me aprofundado na questão das criaturas que aparecem na história, o que era intencional da minha parte. Mas o que faltou no caso foi eu aprofundar ainda mais o cenário para tentar criar um sentimento maior de estranheza, principalmente deixando a presença das criaturas dentro da história um coisa mais orgânica. O fano de fundo pode ser fino, mas ele deve sempre existir.

Outro sim é “você pode explorar todos os clichês sobre vampiros que já foram criados, desde que encaixados em uma boa história” e esse sim é importante ser bem discutido. Apesar de não ser uma história de terror, o Romance Crepúsculo da escritora Stephenie Meyer deu o que falar desde que foi lançado, principalmente quando foi adaptado para o cinema. Uma das questões que mais incomodaram os fãs de vampiros foi que os imortais dessa autora brilham ao sol, ao invés de pegar fogo. Mas aí vemos um pouco de ignorância dessas pessoas em levar em consideração que o sol realmente entrou para a mitologia do vampiro com força a partir do momento em que o filme clássico Nosferatu criou essa situação. Drácula, do romance de Bram Stoker, e do filme de Francis Coppola lançado em 1992 não morre ao se expor ao sol, apenas fica enfraquecido. Então, é claro, em suas histórias os vampiros podem explodir com a luz do sol, mas isso precisa ser bem amarrado na trama. Assim como morrer com estacas no coração, coisa que, só para destacar, os vampiros da Anne Rice não fazem. Ou eles podem ter fraquezas interessantes como só entrarem num lugar se forem convidados, ou serem alérgicos a prata e assim por diante. O importante aqui é saber usar os clichês para o desenvolvimento da história envolver o leitor, assim como explorar situações onde a fuga de um clichê pode deixar a sua história original e diferente de tudo o que já foi contado sobre vampiros, o que normalmente é bem difícil.

O segundo não é “não abuse dos clichês”. E aí entramos em uma situação bem delicada. Se por um lado às vezes alguns escritores e escritoras abusam de liberdades poéticas e da fuga do clichê para criar algo novo, outras e outros abusam do arroz com feijão. Histórias que girem em torno vampiros que matam a esmo e sugam o sangue da vítima, sem qualquer contexto além da bestificação do ato, ou da compulsão pela alimentação, é apenas violência gratuita e pouco significativa. Não que um pouco de violência em uma história de vampiros não seja necessário. Claro que a alimentação precisa surgir em algum momento, seja de forma subjetiva ou evidente. Mas se tudo se resumir em janta e lanchinho noturno, a história perde a potencialidade de explorar muita coisa além da compulsão alimentícia. Ou se a ideia for explorar exatamente essa compulsão, busque aprofundar a relação da casualidade entre a vítima e o predador, dê pequenos elementos da vida da vítima, não a transforme numa nota de rodapé da sua história. Invista em algo mais do que a descrição de dois caninos pontiagudos sendo enfiados na carne, nas veias ou nas artérias de alguém.

Por fim, um sim importante é “misture gêneros e elementos se isso for tornar a história memorável”. Apesar de o vampiro ser um ícone das histórias de terror, ele também é usado em outros gêneros ad nauseam. Histórias de ação, comédia, ficção científica, num contexto de fantasia épica ou histórica, capa e espada e tantos outros, o vampiro já foi usado em tudo que se possa imaginar. Se você achar, por exemplo, que é possível misturar Drácula com Planeta dos Macacos, vá em frente, escreva e veja o que surge. No mínimo pode gerar boas risadas.

E o não é o complemento, que no caso é “não exagere na mistura de elementos”. Pegando o exemplo acima, uma história que mistura Drácula com os símios que dominam o nosso planeta em um futuro próximo talvez fosse algo inédito (até onde eu sei) e poderia nos trazer bons elementos para uma história que mexe com terror e ficção científica. No entanto, não se esqueça de se aprofundar em elementos básicos tanto de um gênero como do outro, para que a história não vire uma colcha de retalhos sem sentido, como, por exemplo, o livro “Abraham Lincoln Caçador de Vampiros” lançado em 2010 pelo escritor controverso Seth Grahame-Smith e que é uma história sem pé e nem cabeça com a profundidade de um pires. No nosso exemplo do Drácula, um escritor esperto tentaria levar em consideração como o terrível conde sobreviveu até a era dos primatas que dominaram o planeta, levaria em consideração a história já contada sobre a sociedade primata e também, muito importante, estudaria um pouco mais sobre a biologia dos primatas para construir um texto profundo e primoroso. O nosso orgulhoso conde, com a sua sensibilidade de nobre romeno, se atreveria a se alimentar dos grandes primatas? Ou ele faria um acordo com os líderes dessas novas espécies para caçar os humanos foragidos? Ou os primatas caçariam a criatura que está acabando com os seus humanos de estimação?

Muitas possibilidades podem surgir quando boas ideias aparecem. Só não se esqueça de que uma boa história deve buscar envolver o leitor desde o início. Tendo isso em mente e a perspectiva de que toda boa história de vampiros é bem vinda, a chance de sucessos é alta.

Siga a sua inspiração e se divirta dançando com os seres das trevas.

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