A maldição da jabuticabeira

Larissa Almeida

Na fazenda em que a família Tertulhano residia, que com tanto orgulho contava sobre como seus ascendentes chegaram ali, como conquistaram terras e fizeram herança, havia muito sangue derramado.

O patriarca José Augusto escondia um segredo a sete chaves, não queria manchar o nome de sua família. Mas há segredos que apesar de guardados há décadas, encontram formas de emergir. E assim foi.

No final de semana das bodas de 50 anos de casamento de José Augusto e Betania, a família toda se reuniu para a grande festança. A comemoração fora planejada há meses, porco no rolete, linguiça de maracaju e churrasco.

Os convidados se divertiriam muito, porém os empregados e empregadas não. Na verdade, nunca tinham folga, moravam na casa do caseiro.

Conforme os convidados chegavam, iam se acomodando nos quartos. Os mais novos se preparavam para curtir o lago com Jetski. A decoração da fazenda apesar de rústica era cara e cheia de adereços indígenas, como cocar e artesanatos.

Tudo parecia normal durante o sábado, mas os ventos anunciavam que as coisas iriam mudar.

Enquanto voltavam do lago, Anaelise, neta de José, correu na frente e se deparou com uma jabuticabeira. A jovem ficou fascinada pela árvore que estava dando frutos. Ela notou que havia algo sombrio ali, mais do que isso, as folhas pareciam de um verde mórbido e triste.

Enfim ela decidiu provar uma jabuticaba, quando de repente seu avô de longe gritou:

— Não coma essa fruta!

Já era tarde demais, ela tinha provado o gosto amargo de fel e naquele momento o céu escureceu e o tempo fechou.

Sem entender nada todos correram para casa, Augusto ficou parado incrédulo, sentiu um calafrio passar pela sua espinha e sabia do que se tratava. Depois do quase transe de um minuto, correu para a casa.

Betania mandou as empregadas fecharem as janelas, por mais que soubesse da história, achava que era uma lenda, até aquele dia.   Ao se virar para ir à sala, viu que as empregadas não tinham obedecido às suas ordens.

Num impulso de coragem José abriu a porta e marchou até a jabuticabeira. Nesse momento a escuridão já tomava conta do céu e sem perceber seus pés atolaram em uma lama de sangue que começou a afundar. Quando viu os anciões surgirem da terra, disparou a sua arma, porém as balas atravessavam seus corpos etéricos.

Com ódio em seus olhos gritava: 

— Seus desgraçados, essa terra é minha! Eu herdei e fiz o que era preciso para mantê-la na minha família.

Num piscar de olhos as empregadas apareceram ao lado dos anciões e nada fizeram para salvar o patrão enquanto ordenava que o ajudassem.

Em uma só voz as mulheres cantaram:

– De nós a terra sua família tirou, nossos filhos matou e maridos explorou. Se essa terra não pode ser mais nossa, de mais ninguém será. Os anciões amaldiçoam esse solo e nunca mais nada brotará.

Nesse momento a esposa apareceu e implorou pela sua vida, mas a justiça não podia ser desfeita.  José e sua família sucumbiram no rio de sangue que a jabuticabeira formou.

Na mesma terra em que seus ascendentes mataram e enterraram os guarujis, agora seus corpos é que estavam ali.  Assim, finalmente os anciãos  puderam descansar e se libertar.

E do jeito que o dia escureceu, o sol amanheceu e não sobrou pedra sobre pedra naquele lugar, até mesmo a jabuticabeira secou até a última folha e fruto.

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