As estranhas estrelas cadentes

Oswaldo C. Almeida

    Ver estrelas cadentes é o sonho de muitas pessoas ao redor do mundo. Elas são elevadas figuras celestes, responsáveis por pintar o céu noturno com uma linha luminosa por breves segundos. Quando nossos olhos veem alguma descendo a imensidão do cosmos, uma densa alegria efêmera cresce em nosso peito e se apaga conforme seu rastro desaparece. A gente se fascina com coisas que o universo em si considera como restos de corpos celeste. De certa forma, nós somos encantados com lixo — nenhuma surpresa, no entanto, vindo de nossa raça.

    Engraçado pensar que também criamos pequenas histórias sobre esses astros. Um exemplo são os desejos, onde caso você, um sortudo, veja uma estrela cadente descendo os céus, vai ter o direito a um pedido. Ele pode ser o mais idiota, como ter o amor de sua vida ou apagar a última temporada de Game of Thrones da existência — desiste disso, meu amigo —, que será realizado. Supostamente, devo ressaltar, pois são apenas mitos.

    Hoje todas as pessoas iriam pedir algo em comum: as coisas que caíram dos céus tivessem sido estrelas cadentes.

    Os jornais anunciaram uma chuva de estrelas cadentes numa noite de sexta-feira, um evento não previsto por nenhum órgão especializado em astronomia nacional ou até mesmo internacional. Essa notícia foi recebida com entusiasmo por todos os brasileiros, pois em uma época de crise qualquer coisa fora do habitual representava um alivio ou um sinal de futuras melhoras. No entanto, era preocupação que astrônomos sentiam, já que não teriam tempo para calcular as trajetórias dos estranhos meteoritos passando na atmosfera terrestre.

    Então, eles bateram na porta de nossa casa e invadiram nossos quintais. O que eram estrelas cadentes, que deveriam passar raspando na orbita terrestre, viraram bolas de fogos indo em direção a diversas áreas brasileiras e em mais nenhuma outra nação. Eram 4 em número e seu estrago foi menor que o imaginavam no último instante, parecia até mesmo um pouso vindo dos fragmentos espaciais, mas não deixaram de criar crateras aonde atingiram.

    Por sorte, não houveram vítimas e nem mesmo locais importantes foram atingidos, como capitais ou outros pontos populosos, mas as proximidades de algumas cidades do interior, da Amazônia e campos desocupados da agroindústria brasileira foram os pontos de queda. Antes mesmo das autoridades conseguirem chegar nas crateras, as pessoas das redondezas já haviam feito suas próprias analises pessoais, ou seja, publicado em suas redes sociais.

    Dentro das crateras não haviam meteoritos ou pedaços de antigos satélites, mas sim uma peculiaridade até mesmo para todos os pesquisadores de diferentes áreas. Um algo, de certa forma indescritível, pelo menos por minhas palavras. Mesmo assim, eu irei tentar. O seu formato era desproporcional, deformado em outras palavras, não obedecendo nenhuma geometria de conhecimento humano. A escuridão predominava sobre o material semelhante a uma rocha polida, com pequenos fragmentos de um purpura estrelar sobre as trevas. No entanto, apesar disso tudo, não era tais características o mais marcante na coisa vindas das estrelas e sim um tipo de joia entre sua estrutura. 

    Ela era terrível, nada polida como as vistas em uma joalheria. Mesmo em fotos, a forma que tive acesso, era possível ver reflexos do além. Um rio cósmico, embora você possa me chamar de louco por descrever isso dessa forma. A cor da joia era o mais chamativo, pois isso sim não a como ser descrito. Brilhante, ao mesmo tempo escura. Satura e dessaturada. Opaca e no instante seguinte translucida. Tudo isso girando e girando, formando figuras que apenas um louco poderia imaginar. 

    Todos os locais das quedas continham o mesmo objeto, carregando as mesmas características… Peculiares. Isso obviamente virou uma comoção nacional entre as pessoas. Selfies, memes e incluindo a tag #presentedoespaço, eternamente em alta nas redes sociais. Logicamente, as áreas com essas coisas foram isoladas e o acesso restrito aos indivíduos comuns, mas o estrago internacional já estava feito, junto com as estranhas consequências futuras.

    Nenhuma pesquisa sobre as coisas conseguiu dar uma informação a respeito. Algumas pessoas acreditavam um presente de Deus, e muitas figuras religiosas no país queriam reedificar o estranho para ser levado aos altares, assim sendo devidamente referência — claro, por uma quantia. Outra pessoa, vinda do setor mais alto da política, usou a mesma lógica, mas dizendo ser um sinal que o Brasil estava caminhando para a direção correta, tentando desesperadamente ofuscar os demais problemas no território junto a irritar a oposição.

    Posso adiantar que não foi um presente. E se foi um sinal, foi o primeiro referente ao nosso fim.

    O primeiro efeito, apelidada carinhosamente de “Primeira Evento” apareceu pouco dias após a queda. A sua magnitude foi o suficiente para o mundo esquecer do fogo na Amazônia, que logo se extinguiu sobre o poder do estranho. No lugar conhecido erroneamente como “pulmão do mundo”, tudo mudou ao passar da lua. O verde da floresta foi substituído por diferentes tons de um violeta doente e sua textura por algo gelatinoso, semelhante, se não igual, a carne podre. Os animais também mudaram, tomando formas estranhas, as vezes se misturando ou separando, mas sempre crescendo e multiplicando em si mesmas. Os rios, inclusive parte do Amazonas, virou um lodo viscoso. A noite pequenas coisas na floresta, como os insetos e frutos, brilhavam em um azul celeste, pulsando igual a um coração  

    Não existia explicação e, embora parecesse, ninguém ousava chamar aquilo de evolução. Maldição, foi o nome dado por todos. Pela primeira vez, nenhuma figura do agronegócio desejou tocar, nem mesmo ver, a Amazônia. 

    Assim foi com cada canto onde o Algo atingiu. As noites nas pequenas cidades nas redondezas desses locais eram iluminadas pelas cores estranhas, como um incêndio pintado pelos cosmos.

    Foram criadas diversas teorias em torno do Algo, uma delas era comum nos novos tempos. Ela dizia os objetos que caíram do céu na verdade eram armas comunistas vindas da China. Idiota, sem sombras de dúvida, mas haviam pessoas que acreditavam nela, e uma delas era Herberto dos Santos, um influenciador ganancioso por atenção. Ele foi em um dos locais atingidos que pertencia a um latifundiário pertencente a mesma causa e amante das mesmas ideologias, por isso conseguiu acesso ao local. Vestido com roupas de frios, óculos e máscara como uma forma de proteção, o teórico conspiratório fez uma transmissão ao vivo, exibindo estranho objeto enquanto falava por horas sobre suas “evidencias” sobre o teste biológico chinês em território brasileiro.

    Durante a transmissão, foi percebido alguma coisa nova vindo do Algo: um baixo barulho, apenas captado quando um aparelho estivesse próximo a ele. Parecia o fluxo da água por um rio ou uma profunda caverna que se repetia eternamente, não antes de um toque único, semelhante a uma gosma levemente endurecida tomando uma forma. Cada dia, ele ficava mais e mais estranho.

    Alguns dias depois da transmissão, Herberto voltou a transmitir, mas algo havia mudado e todos os seus seguidores perceberam. Pelo seu corpo havia diversos tipos de feridas, pulsando sangue e outros líquidos, e a pele antes clara agora estava em um tom violeta doente, mais escura que a vista pelos ambientes afetados pelo o Algo. Os seus olhos eram escuros, com exceção da íris, sendo estas de uma cor azulada e opaca. Dos Santos falava estranho e ignorava os comentários preocupados de todos, parando apenas ao desmaiar no chão, não antes de vomitar tudo de seu interior na câmera. 

    Sobre o latifundiário, essa é uma longa história para esse pequeno texto, mas eu posso contar como ela terminou. Queimou suas terras com o mais denso fogo, não antes de trancar si mesmo e sua família na casa, para serem todos consumidos pelas chamas. Ele tinha consciência do perigo em seu quintal, sendo um dos primeiros de nós a perceber isso, assim, preferindo a morte.

    Uma autopsia foi realizada no corpo do falecido influencie. Herberto havia começado a mudar de dentro para fora, assim como visto nos seres vivos dos locais afetados. Os órgãos foram divididos, ampliados e no fim multiplicados em formas estranhas, além de adquirirem cores inimagináveis iguais a joia. Foi encontrado dois estômagos, um fígado iniciando o processo e o coração dando à luz a um segundo Dos Santos. A teoria era que, se ele tivesse sobrevivido, a mutação causada pelo “vírus” teria continuado eternamente até que o antigo adepto da teoria da arma comunista fosse em uma coisa tão indescritível como “A coisa”.

    No fim, não era apenas uma teoria. Essa era o “Segundo Evento”. 

    Em poucos dias, casos iguais ou piores começaram a surgir por todo o país, sendo seus epicentros comunidades próximas as crateras. O pior eram seitas, que endeusavam o Algo como algo maior que um deus, incluindo as antigas figuras religiosas abandonaram suas crenças assim que foram afetadas pela influência.

    Chamar as seitas de estranhas seria um eufemismo de minha parte. A melhor descrição que eu poderia dar a elas seria chamar de insanos, fruto dos piores horrores da imaginação humana. Os acólitos, sem exceção, eram seres infectados pelo Algo — me recuso a chamar eles de humanos ou pessoas mais —, com os seus corpos em processo ou já transformado em criaturas estranhas, uma pior que a outra. Indivíduas, mas igualmente horripilantes e perturbadores. Eles pegavam aqueles não tocados pelo estranho seu agora senhor e caso você não tivesse a sorte de ser morto, seria levado ao altar para se transformar em um deles.

    Hordas desses serem começaram a percorrer todo Brasil. As vezes carregavam armas e outras usavam seu próprio corpo em transformação como forma de força a entrada daqueles não definhados pelo Algo. Junto a essa guerra santa, os centros de nossa nação tornaram lentamente semelhantes aos locais de queda. As cidades deterioravam mentalmente e fisicamente pela presença vinda do cosmos, deixando de serem marcas humanas para alguma coisa diferente. 

    O governo foi inútil. Não conseguiu conter a proliferação do inominável e também foi consumido pelo Algo e seu último comunicado governamental foi dado por um amontoado de podridão violeta, cobertas por ulceras cheia de sangue da cor indescritível. Após isso, anarquia tomou conta e foi iniciada o “Terceiro Evento”, o último.

    Ele foi marcado pelas invasões dos acólitos aos países que faziam fronteira ao Brasil, como um enxame de parasitas que nenhum agrotóxico poderia solucionar. A reposta de outras nações foi violenta, mas logo em seguida o espaço respondeu novamente e todos sucumbiram ao puro desespero. Novos meteoritos, estrelas cadentes, o desconhecido, seja lá como queira chamar, apareceram no céu de nosso mundo e começaram a colidir pelo globo como uma doença. Morrer ou ser tocado eram as únicas escolhas.

    Eu penso em outra coisa, enquanto escrevo esse texto final. Seria o Algo uma coisa viva ou um pequeno experimento? 

    Caso seja a primeira opção, o que ele ganha com isso? Seria ele um conquistador? Um pesquisador espacial, realizando seus experimentos? Ou um parasita? 

Mas, se for a segunda opção, quem em sã consciência iria criar uma coisa tão perversa, cruel e detalhada? Por qual motivo? Isso apenas me faz ficar mais confuso, e com medo do que está além do cosmo, rindo de nossa dor. 

FIM.

– Contos inspirado em ‘O Iceberg’, de Vin Lee, publicado pela primeira vez na Skriptzine 01

Uma resposta para “As estranhas estrelas cadentes”.

  1. Avatar de Thiago Alves Faria
    Thiago Alves Faria

    Nossa eu li imaginando como cena de filme… extremamente criativo! Parabéns!

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