Marfim

Vin Lee

O sol era imponente, castigava a savana e o calor tornava o horizonte em uma paisagem trêmula. 

O elefante repousava sob a sombra da acácia. Com destreza, enrolava sua tromba ao redor do galho e o levava à boca para se alimentar das folhas. Era a única árvore em quilômetros e o elefante não se apressava ao se alimentar.

Um brilho no horizonte chamou sua atenção e o animal se virou para observá-lo. 

Um som alto como trovão ecoou pela savana. Um choque percorreu o corpo do paquiderme, sua testa irrompendo em dor. Instintivamente, o elefante disparou na direção do seu agressor, mas um segundo tiro o acerta, saindo por trás de sua cabeça, derrubando o animal. 

Um jipe verde-oliva coberto por uma camada de poeira se aproximou como um pesadelo distorcido encarnando no mundo real. O veículo parou na frente do elefante e três homens nativos desceram, cercando sua caça. Por último, um homem branco, de cabelos grisalhos e barba por fazer, desceu do carro, rifle fumegante na mão. 

Ele olhou para seus comparsas e ordenou que começassem: eles prontamente tiraram serrotes da caçamba do jipe para serrarem as presas de marfim. 

― Quando terminarem com as presas, cortem os pés também ― disse o caçador enquanto lascas de marfim polvilhavam poças espessas de tutano na areia ―, quero fazer um conjunto de bancos com eles. 

O caçador olhou nos olhos lacrimejantes do elefante moribundo e um sorriso sádico brotou no canto de sua boca. A arma fez um som oleoso quando o homem puxou o ferrolho do rifle para botar um cartucho na agulha e apontou para o olho do elefante, que parou de se mover quando o caçador disparou.

****

O clima no acampamento era de alegria.

Uma pilha nefasta de presas de marfim, ainda sangrentas, eram higienizadas para serem encaixotadas para transporte. Os caçadores bebiam uísque e fumavam charutos, comemorando o sucesso.

O líder não se misturava com os nativos. Apenas bebia vinho na sua tenda enquanto preenchia seu livro-razão. Quando fez os cálculos finais, abriu um sorriso: estava rico. Mais alguns elefantes e já poderia se aposentar. Quando foi pegar sua taça, percebeu que o vinho dentro dela tremia. Antes que pudesse especular, um barrir de elefante deixou o acampamento todo em silêncio. 

Os nativos gritaram, amedrontados, enquanto barracas e homens eram atropelados por um elefante desenfreado. O caçador saiu de sua tenda, rifle na mão, procurando pelo animal ensandecido, mas se deparou apenas com seus homens, mortos ou moribundos, enquanto os sobreviventes imprudentemente corriam para a escuridão da savana, tomados por um temor abastecido pelo álcool. 

O barrir ecoou novamente, com um eco fantasmagórico. O caçador olhou pela mira do seu rifle até encontrar seu alvo, mas derrubou a arma quando encontrou o culpado por toda aquela destruição: 

Uma ossada de elefante que brilhava como se banhada pelo luar, com duas presas de marfim flamejantes, disparava na sua direção. Três pontos luminosos em sua cabeça, dois na testa e um no olho, brilhavam com um ódio que transcendia o véu do além-vida, queimavam a alma do caçador, que apenas se ajoelhou quando viu aquela aparição assombrosa chegar mais perto. 

****

No dia seguinte, aves carniceiras sobrevoavam as hienas que gargalhavam enquanto se deliciavam com os corpos dos caçadores. A pilha de presas de marfim havia sido pulverizada, como se tivesse sido esmagada por uma manada desenfreada, e o vento espalhava o pó pela savana. 

No meio do acampamento, o caçador jazia, empalado nas presas de uma ossada inerte. 

2 respostas para “Marfim”.

  1. Esse é o tipo de história que funciona muito bem para aquele aforismo sobre contos vencerem por nocaute. As imagens são bem vívidas, principalmente quando o elefante fantasmagórico vem para se vingar. Excelente história!

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  2. […] que é um valor muito baixo, me sinto até mal de ter pago esse valor por obras tão legais quanto Marfim ou Hoje Tem Espetáculo), depois R$100, e só depois chegamos a R$200 para textos de até 2000 […]

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